Os desafios da violência nas escolas: um olhar profundo
A realidade da violência no ambiente escolar no Brasil tem se transformado drasticamente nas últimas décadas.
Até o ano 2000, não havia registros de atentados contra comunidades escolares no país. No entanto, essa situação mudou. Dados recentes indicam que, entre 2002 e 2023, ocorreram 23 ataques a escolas, sendo que metade deles se concentrou apenas nos últimos anos.
Esse aumento na frequência demonstra uma mudança significativa na dinâmica da violência que atinge o ambiente escolar.
Esse crescimento acentuado na frequência desses eventos tem gerado grande preocupação em toda a comunidade escolar e ressalta a importância de um olhar atento sobre as questões relacionadas à convivência e ao clima escolar.
Para compreender e enfrentar este complexo fenômeno, é fundamental analisar suas características, impactos e as respostas que estão sendo propostas no Brasil e em outros países.
Entendendo o fenômeno: características e padrões
A violência contra e nas escolas é um fenômeno multifacetado e de difícil compreensão no Brasil. Pesquisas têm buscado identificar padrões e fatores que contribuem para a ocorrência desses ataques, mas a complexidade do tema dificulta a identificação de uma causa única.
Um estudo em andamento realizado pelo Instituto de Estudos Avançados da Unicamp, apresentado pela pesquisadora Telma Vinha, por exemplo, aponta a ausência de um padrão que explique as razões pelas quais os ataques acontecem em determinadas escolas.
Fatores como o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), a ocorrência prévia de violência escolar, o tipo de escola (pública ou privada) e a infraestrutura de recursos humanos ou físicos não se mostram como elementos que ajudem a interpretar os motivos dos ataques.
Perfil dos agressores e o papel da internet
Apesar da ausência de padrões explicativos para a escolha das escolas, o estudo da Unicamp identifica um padrão no perfil dos agressores: são indivíduos do sexo masculino, brancos e com idades entre 10 e 25 anos. Características como tendência ao isolamento social, histórico de ser vítima de bullying e sofrimento na escola também são comuns entre eles.
A forma como aprendem os métodos para realizar os ataques também segue um padrão: por meio da internet. Inicialmente, essa aprendizagem ocorria pela Deep Web. Mais recentemente, no entanto, a aprendizagem e a disseminação de métodos têm acontecido em sites abertos e de fácil acesso, como redes sociais e chats de jogos on-line. Isso aponta para a importância de monitorar plataformas digitais e promover a educação crítica da mídia.
O contexto social, discurso de ódio e meios digitais
Um relatório produzido por um grupo multidisciplinar coordenado por Daniel Cara, professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FE-USP) e coordenador honorário da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, foi entregue ao governo de transição em 2022 e aponta uma relação dos ataques violentos às escolas com um contexto social mais amplo.
Esse contexto se vincula à escalada do ultraconservadorismo e extremismo no país e à falta de controle e/ou criminalização desses discursos e práticas, bem como de sua difusão através de meios digitais.
O discurso de ódio contra grupos como negros, mulheres e homossexuais mostra-se também como um padrão entre os agressores, que encontram em grupos na internet reverberação para ideias discriminatórias.
Algumas comunidades online chegam a cultuar aqueles que cometeram atos violentos, e vídeos que enaltecem atiradores e supremacistas brancos podem ter milhões de visualizações.
Uma pesquisa da Agência Lupa, em parceria com a ECMI-FGV e FGV Direito Rio, identificou um aumento na quantidade de mensagens sobre violência e com ameaças em grupos de WhatsApp e Telegram, com picos nos dias dos ataques mais recentes. Isso reforça o diagnóstico da relação entre os ataques e a difusão de discursos extremistas pelos meios digitais.
Nesse sentido, medidas como o monitoramento de sites, redes sociais e fóruns, além de um trabalho pedagógico em educação crítica da mídia e combate à desinformação, são apontadas como fundamentais.
Caminhos para o enfrentamento: segurança, políticas públicas e causa raiz
Diante da complexidade do fenômeno da violência contra e nas escolas, as respostas e soluções propostas precisam ser multifacetadas, articulando ações de segurança com políticas públicas que tratem das causas fundamentais do problema.
Os caminhos que começam a surgir pelo Brasil incluem, principalmente, ações na área de segurança, como a instalação de detectores de metais, botões de pânico, segurança armada e reforço da ronda escolar.
Embora essas medidas possam auxiliar em um primeiro momento de escalada de ataques e ameaças, elas demandam cautela e, crucialmente, não tratam as causas desse fenômeno.
A experiência dos Estados Unidos, país que mais registra ataques armados a instituições de ensino no mundo e que nunca investiu tanto em segurança escolar como nos últimos anos, é um exemplo a ser observado. Mesmo com altos investimentos nessa área, incluindo a presença de guardas armados, os EUA continuam enfrentando um alto número de massacres em escolas e universidades.
Uma pesquisa de 2019 na Journal of Adolescent Health concluiu que manter guardas armados na escola não reduziu o número de vítimas em massacres.
Outro estudo de 2021, financiado pelo Instituto Nacional de Justiça dos EUA, avaliando casos entre 1980 e 2019, concluiu que o número de mortes em escolas com guardas armados tendia a ser quase três vezes maior do que naquelas sem seguranças armados. Além disso, a presença de agentes armados pode estar ligada ao aumento do absenteísmo estudantil, especialmente entre alunos de camadas mais vulneráveis.
A carta aberta da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), de abril de 2023, aborda diretamente este ponto e argumenta que policiais ou profissionais de segurança armados podem transformar a escola em uma “prisão” ou campo de tiro cruzado.
Eles defendem que as políticas de segurança pública devem ser subordinadas às políticas educacionais, pois as forças de segurança não têm formação adequada para atuar autonomamente no ambiente escolar.
Ações governamentais e a necessidade de políticas intersetoriais
No âmbito do governo federal, o Decreto n° 11.469, de 5 de abril de 2023, instituiu um grupo de trabalho interministerial, coordenado pelo MEC, com a participação de outros seis ministérios e secretarias, para realizar estudos sobre o contexto e as estratégias de prevenção e enfrentamento da violência nas escolas.
O decreto também instituiu um programa de apoio à constituição e capacitação de rondas escolares e órgãos similares, destinando R$ 150 milhões para estados e municípios.
No entanto, especialistas apontam que as ações e políticas públicas devem focar, principalmente, em medidas que possam tratar das causas, como o investimento em iniciativas que visem a melhoria da convivência na escola e a cultura de paz.
Violência na escola x violência contra a escola
A carta aberta da Undime e uma cartilha elaborada pelo Ministério da Educação (MEC) ressaltam a importância de diferenciar a violência contra a escola da violência na escola e de envolver toda a comunidade escolar nos esforços de prevenção e intervenção.
A violência contra a escola é vista como a violência da sociedade atingindo o ambiente escolar, um fenômeno complexo sem uma única solução, que exige uma política pública indutora e intersetorial que considere a diversidade do país. Isso inclui ações de prevenção, redução de riscos e estímulo à convivência e à cultura de paz.
É crucial diferenciar o que acontece fora e dentro da escola, identificar e prevenir “comportamentos” sem estigmatizar alunos, e oferecer atendimento psicossocial, acionando a rede protetiva local e abrindo-a às escolas.
Iniciativas pela melhoria da convivência e cultura de paz
Diversas iniciativas pelo Brasil já vêm buscando focar na construção de uma cultura de paz e na melhoria da convivência escolar como forma de enfrentar a violência.
A Prefeitura de Diadema, por exemplo, lançou o Observatório de Segurança Escolar, que reúne diferentes secretarias, equipe escolar, estudantes, famílias e sociedade civil para diagnosticar e propor soluções para combater a violência no entorno escolar e impedir que chegue às escolas.
A Secretária de Educação de Diadema, Ana Lucia Sanches, enfatiza que a violência não está na escola, que deve ser um lugar de paz, mas que atinge o ambiente escolar vinda de fora. Ela defende que é preciso “levar mais da escola para as famílias, mais tempo para as pessoas ficarem juntas, com menos celular e mais contato humano”.
O Distrito Federal instituiu a Comissão Permanente de Paz nas Escolas da Rede Pública e um protocolo de notificações sobre violência física, psicológica e sexual, visando aprimorar o planejamento para enfrentar casos de denúncias.
Organizações como o Unicef, a Campanha Nacional Pelo Direito à Educação e a Nova Escola também têm se mobilizado, disponibilizando materiais, metodologias e guias para apoiar as comunidades escolares. O Unicef, em sua página “Educação que protege”, compartilha metodologias e apoia governos na construção de políticas para que a educação seja um fator de proteção contra a violência.
Um de seus materiais, o curso “Comunidade Escolar na Prevenção e Resposta às Violências”, oferece referências legais, conceitos e orientações práticas sobre como identificar e agir diante da violência no ambiente escolar, propondo ações de prevenção articuladas à BNCC e em perspectiva intersetorial.
A Campanha Nacional disponibilizou o “Guia sobre Prevenção e Resposta à Violência às Escolas”, com estratégias para criação de protocolos e políticas de segurança pelas comunidades escolares, abordando prevenção, planejamento de segurança, intervenção, como lidar com ameaças, ações pós-ataque e orientações para plataformas digitais e imprensa.
A Nova Escola lançou o “Movimento Escola sem Medo”, que promove debates e disponibiliza materiais para a construção de uma cultura de paz, buscando enfrentar o medo que impede ensinar e aprender. Todas essas iniciativas e políticas precisam ser contínuas, monitoradas e melhoradas para serem efetivas e ajudar o país a enfrentar e coibir o fenômeno da violência nas escolas, com foco na disseminação de uma cultura de paz.
Em suma, a violência contra e nas escolas no Brasil deixou de ser um evento isolado para se tornar uma preocupação crescente e urgente. Embora medidas de segurança imediata sejam consideradas, a experiência e estudos, inclusive dos Estados Unidos, apontam que a solução a longo prazo reside no tratamento das causas, na melhoria da convivência e na construção de uma cultura de paz.
Isso exige políticas públicas intersetoriais, o monitoramento e a educação crítica sobre o uso dos meios digitais, e a colaboração intensa entre governo, redes de ensino, escolas, famílias, estudantes e sociedade civil organizada.
A articulação dessas frentes, com foco em ações contínuas e bem fundamentadas, é o caminho para resgatar o ambiente de paz nas escolas e garantir a proteção e o desenvolvimento integral dos alunos.
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