Como psicóloga e analista de crianças, venho refletindo a forma como as crianças estão vivendo seus laços sociais na atualidade.
A cada dia, as crianças fecham-se mais, levando uma vida solitária. Vivem em seus quartos, invadidas pelas novas tecnologias, que as convocam permanentemente a se ausentarem das relações interpessoais e das brincadeiras criativas. Com isso, acabam de certa forma, trocando relações com “pessoas” por jogos e computadores.
Problematizo essa situação, pois realmente preocupa-me a forma como as famílias e seus filhos estão vivenciando essa nova era. Dia após dia, nota-se haver uma crescente vinda aos consultórios de pais com seus filhos tristonhos, muitas vezes apáticos e que, ao chegarem à escola, enfrentam dificuldades para relacionar-se com seus amigos. Não porque não queiram aproximar-se, em verdade, não sabem como fazê-lo.
As crianças, na maior parte das vezes, passam horas jogando, fazem lição, vão para a escola, voltam à noite, jogam mais um pouco, assistem à televisão e vão dormir. Passam pela infância praticamente ligadas no automático.
Não há espaços para ir à rua, pois, na fala dos pais, “é perigoso”. Tampouco as crianças têm a possibilidade e as condições para construir seus próprios brinquedos. A maioria deles já se compra pronto, o que causa desinteresse em curto espaço de tempo.
Não querem mais brinquedos inocentes de criança, querem jogos violentos, que tenham bastante matança. Sem ter outros objetos nos quais investirem a agressividade de forma mais saudável, infelizmente estes são os preferidos por nossas crianças.
Muitas crianças carregam agendas de adultos, nas quais não se encontram horários para vivenciar o momento mais lindo das suas vidas: a infância.
Pergunto-me onde foi parar aquelas crianças que chegavam em casa suadas de tanto brincar, com joelho ralado, roupas sujas e até mesmo rasgadas?
Cadê as árvores para subir, os carrinhos de rolemã, as pipas, as bolas de gude?
Hoje não gastam mais as roupas e nem os sapatos, praticamente tudo fica intacto às marcas da vida, inclusive elas.
Esforço-me para não ser nostálgica nessa análise, mas não consigo.
Agora é tempo de solidão. Penso como será futuro deles e chego à provável conclusão de que serão adultos extremamente lógicos (os jogos ajudam nisso), mas talvez nada divertidos.
Questiono aos pais como podem ajudar seus filhos a serem crianças. Abro este espaço para reflexão, sempre lhes peço que lembrem de suas infâncias e como se sentiriam se fossem impedidos vivenciá-las.
As crianças não conhecem outra realidade que não a de hoje, cabe aos pais apresentarem o mundo aos seus filhos, principalmente o que lhes poderá fazer bem. A criança sozinha não consegue saber o que é melhor para si mesma.
Tentar resgatar, de alguma forma, vivências simples e lúdicas, seria a melhor forma de aplacar um sistema que funciona interruptamente convocando para entrar em um “jogo”, de convivências superficiais e descartáveis que nos convidam ao anonimato e não à construção de sujeitos e cidadãos.
Ivone Honório Quinalha – Outubro/2010 Psicóloga e Psicanalista – Especialista em psicanálise com crianças pelo Instituto Sedes Sapientaie.