Instituto Cuida de Mim: Centro de Atendimento, Estudos e Pesquisas em Saúde Mental

Conquistas Virtuais x Conquistas Reais

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Como analista de crianças e adolescentes, muito me preocupa a forma como os jovens estão vivenciando seu dia a dia.

Para gerações nascidas a partir dos anos 90, a vida sem tecnologia parece algo inconcebível. Para eles, quase não há diferenciação entre virtual e real. Tudo é completamente integrado. Ou, para dizer de outra maneira, o virtual parece cada vez mais bastar todo o real.

Desde o advento da internet e da revolução digital que se seguiu a ela, os lares e os ambientes de trabalho foram invadidos por computadores, smartphones e redes sociais. Muitos jovens passaram a viver iludidos em um mundo de faz-de-conta, imaginário, em que todas vivências e trocas se dão apenas através das telas, das máquinas e dos jogos virtuais. Tal constatação parece ser ainda mais verdadeira para esse momento da pandemia, no qual dimensões cada vez maiores da nossa vida foram forçosamente virtualizadas.

Nessas plataformas digitais, crianças e adolescentes criam personagens paralelas de si mesmas, construídas da maneira que mais possam lhes agradar. Pautam a relação com o outro apenas por quantidades. O que vale são quantas estrelas acumulam, quantos seguidores ostentam, quantos likes recebem, quantas vitórias conquistam em games.

Medem seu sucesso e seu fracasso sempre em uma lógica de competição com os demais e de acumulação infinita de reconhecimento. Parecem ter o controle de tudo, mas se tornam escravos da própria lógica que alimentam. Isso é ilustrado em vários episódios interessantes da série Black Mirror.

Em momentos de frustação e erros, em vez de encarar as fragilidades e limitações, mais fácil mesmo é deletar, trocar ou mesmo dar um reset e seguir para um novo desafio aparentemente sob controle.

As socializações nesse ambiente virtual parecem sempre sob a forma de interação entre iguais, tudo robotizado e mediado por perfis. Quando se deparam com contatos pessoais reais, com a imprevisibilidade lhes que é típica, falta repertorio, pois poucas vezes tiveram de desafiar suas próprias certezas na relação com o outro.

Não é fácil pensar saídas para esse quadro. Não é possível voltar atrás, pois as novas gerações vivem em um mundo dominado pela tecnologia e isso é um fato consumado. Todos aproveitamos de benefícios trazidos pelos avanços tão significativos em diferentes áreas e que facilitam nossas vidas.

Mas isso nos afeta enquanto sujeitos, nos nossos horizontes de desejo, na busca de objetivos, enfim, nas perspectivas de construção de vida e de futuro.

Sem ter essa clareza da importância de se colocar no mundo de outras formas e não apenas diante das telas, não correrão riscos e parecerão viver em uma bolha. Afinal, cria-se uma zona de conforto e de acomodação que é bastante confortável.

Essa ânsia por controlar todas as interações retira a beleza da novidade, da surpresa, das descobertas. Não à toa, crescem os quadros de depressão e de angústias como os males de nossa era. Jovens cada vez mais medicalizados para dar conta dos vazios criados por um estilo de vida cada vez mais ilusório.

Se pensarmos em perspectiva de futuro, sem ser pessimistas, ainda não temos respostas claras. Mas a única forma que vejo de lidar com esse problema é convidar esses jovens a viver conosco a realidade do dia a dia, apresentando-lhes as dificuldades inerentes do viver e a importância de se colocar diante do imprevisível.

Poupá-los de frustrações é perdê-los para o quarto, local em que se sentem protegidos e passam maior parte do tempo. Porém, a vida não tem paredes e sim caminhos que devem ser percorridos. Qual a nossa contribuição neste cenário? De que forma os estamos educando para vida?

Sinto que os pais também ficam menos ameaçados com seus filhos quietinhos nos quartos, jogando no celular, porém será que estamos apenas contribuindo para reforçar ainda mais essa ilusão? O que serão desses filhos sem quando esses pais faltarem?

Quanto mais protegidos dessa maneira, menos recursos terão para enfrentar o mundo de forma autônoma e saudável.

Nós fazemos parte disso. Deixo aqui apenas uma reflexão.

Ivone Honório Quinalha

Psicanalista – Psicóloga Clínica

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