Instituto Cuida de Mim: Centro de Atendimento, Estudos e Pesquisas em Saúde Mental

Acontecimento na escola do Realengo

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A infeliz tragédia no Rio de Janeiro fortalece os objetivos e ideais do nosso Instituto, que atua no “desenvolvimento de programas profiláticos e terapêuticos relacionados aos efeitos da violência, pobreza e conseqüentes estados de privação, seja em âmbito individual e comunitário”.

Ofereceremos às crianças possibilidades de vivenciarem a infância de forma lúdica e feliz, através das danças, música e espaços de conversas. Para que possam se expressar e dividir algo o que os incomoda, são em média 240 alunos (Ciclo II),ouvidos semanalmente por nossas psicólogas (sem contar os casos  atendidos individualmente em nossa sede).

Durante essas diversas atividades, nossa equipe sempre se coloca de forma cuidadosa, tentando entender as dificuldades que elas expressam, tanto conosco, como com os professores. Tentamos permanentemente a interação com as famílias, pois essa unificação é a melhor forma de garantir proteção às nossas crianças, acrescida de acolhimentos amorosos e compreensão do que se sente e vive. Trata-se do melhor e mais eficaz antídoto para nos distanciarmos da degradação dos valores de humanidade.

Depois do lar, a escola representa aos seres humanos um segundo lugar, privilegiado, de trocas afetivas. Pelo que vimos, o rapaz “Wellington” não conseguiu realizar de forma construtiva tal experiência, pois não conseguiu encontrar seu lugar e suas referências nessa instituição.Infelizmente, ele não teve estrutura para elaborar as rejeições que encontrou, sendo a maior delas a da sua origem. As rejeições foram alimentando seu ódio que, ao final, por meio de “tiros”, aplacou de forma violenta sua dor calada, por tantos anos em sua solidão.

O que poderemos fazer para que outros “Wellingtons” não venham causar tanta dor? Se os ignorarmos, poderemos ser a próxima vítima. Será que teremos mais trabalho resgatando a humanização, acolhendo o próximo ou sofrendo as violências no cotidiano?

Do meu ponto de vista, o problema que esse caso nos coloca está muito além da origem dos armamentos e da forma como podem ou não ser obtidos. Essa tragédia traz à tona a debilidade dos centros de tratamento de saúde mental e como são inacessíveis a enormes parcelas da sociedade: seja por preconceito, por ignorância ou por falta de condições financeiras.

Quem nos dera suprimir as loucuras que nossa sociedade produz apenas acabando com as armas de fogo. O desarmamento é importante, mas não vale olhar esse caso somente sob a ótica da segurança pública. Michel Misse, sociólogo do Rio de janeiro, escreveu um texto interessante pontuando a excepcionalidade do caso e a conseqüente impossibilidade de analisá-lo pelos parâmetros tradicionais de compreensão da violência urbana.

Em entrevista ao Jornal Estado de São Paulo, o psicólogo Julio Groppa Aquino afirma que após esse caso inédito na história educacional brasileira, o risco maior será desistirmos de melhorar a qualidade dos laços sociais, adotando o caminho mais fácil e certamente o menos adequado. Essa perigosa alternativa é a da “bunkerização” das escolas, ou seja, do insulamento e do cercamento desse espaço que deveria ser de todos, tal como já ocorre com os condomínios, shoppings e demais formas urbanas de estratificar a sociedade e estigmatizar os que se localizam às margens das normas sociais.

Se essas pessoas, ao invés de serem acolhidas e tratadas forem excluídas, assumiremos a incapacidade de nossa convivência entre diferentes sem a mediação da violência, reproduzindo e até potencializando os comportamentos anti-sociais.

Do ponto de vista midiático, as tragédias dão ibope, mas os trabalhos preventivos, amorosos e respeitosos não. Por isso, não se investe mais em educação e saúde mental em nosso País. É mais fácil ignorar a problemática alheia, a carência humana e o desamparo, pois não há quem não traga um pouco disso consigo.

Diante dessa constatação, devemos buscar, com cada vez mais afinco, evitar o cinismo que naturaliza as violências cotidianas e se acostuma às tragédias, fazendo com que, a cada dia, o nosso espanto e nossa indignação tornam-se menores.

Ivone Honorio Quinalha – Psicóloga

 “Quando se planeja por um ano, deve-se plantar milho, quando se planeja por uma década devem-se plantar árvores, mas quando se planeja para a vida, deve-se amar e educar homens”.   Knan Tzu

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